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Território Quilombola do Caruma

Do centro de Pinheiro é possível, na estrada rumo ao município de Cururupu, chegar ao Território Quilombola do Caruma, situado na zona rural de Pinheiro, depois de uma hora de deslocamento. 

O Território Quilombola do Caruma é formado por comunidades originadas da antiga Fazenda Caruma, dentre elas as comunidades Povoado Fazenda Caruma, Proteção, Pacoã e Sudário. 

A antiga Fazenda Caruma deu origem ao atual Território Quilombola do Caruma. A Fazenda foi constituída,    segundo depoimentos, na segunda metade do Século XIX. Por território, entende-se aqui o complexo formado  por vários povoados e comunidades quilombolas, distinguindo-se, portanto, do Povoado Fazenda Caruma, onde  tudo começou. Atualmente, o Povoado tem aproximadamente 24 residências e cerca de 100 moradores. 

No Povoado Fazenda Caruma, Maria da Graça Palavra (76 anos), Sr. Cural e Benedito Palavra, irmãos nascidos  ali, relataram vários aspectos da história da Fazenda Caruma. 

Junior, sobrinho dos irmãos Palavra, reside em um terreno ao lado da antiga fazenda. Seus pais trabalharam no  antigo engenho, já no século XX. Ele aponta para os escombros do terreno onde era a sede da Fazenda e  prontamente mostra como era sua planta e organização: aqui a casa, ali o engenho, aqui a casa de farinha,  ali o poço... 

De acordo com o senhor Cural e dona Maria da Graça Palavra, o primeiro dono da fazenda Caruma  foi Jacinto  Guterres, pai de Antônio Carlos Guterres, Quincas Guterres e Maria Cecília Guterres, sendo a última a única ainda viva. Talvez fosse interessante investigar a idade de Maria Cecília pra tirar uma base da idade do senhor Jacinto Guterres  a fim de analisar se ele realmente foi senhor de escravo.

Jacinto Guterres era proprietário não só da fazenda, mas também dos escravos que nela trabalhavam.  “Era uma casa de engenho que funcionava o açúcar, a cachaça, a farinha”, lembra Maria da Graça Palavra.

Jacinto Guterres era também chamado de Major pelos moradores (que)e adotavam o  seu sobrenome, como era comum no período escravista dos senhores: “As pessoas que moravam aqui, os antigos, assinavam com o  sobrenome dele, Guterres. Fulano de tal Guterres, Raimundo Guterres, aquele coisa toda porque reconhecia o  dono da terra”. 

Muita gente trabalhava na fazenda e no engenho. Alguns, como a mãe de Maria da Graça Palavra, Ignez Ferreira Pinheiro, casada com Raimundo Pinheiro, eram provenientes das proximidades. Os pais dela eram de São  Francisco dos Campos, em Santa Helena. Seu pai trabalhava na fazenda “fazendo cachaça”. 

É da época de Jacinto Guterres ainda o “sumidouro”, poço profundo com lanças onde os escravos eram lançados como forma de punição. Está localizado no “altinho”, local chamado de Marravara, atualmente cercado por mangueiras e coberto por terra. 

Mas as relações eram ambíguas: “O major, que era Jacinto Guterres, ajudava a todos. Caia doente, vinha no  major. Ele era o médico daqui. A pessoa adoecia, procurava o major”. Ele não era médico, mas ‘conhecia as  ervas da terra’” (Benedito Palavra).

Com a abolição da escravidão, o cenário parece não ter se alterado na região. “Enquanto ele estava vivo, continuou  aquela vida aqui. E só ficava aqui quem tivesse uma roça da mandioca, um canavial para dar cana. Se não tivesse isso não ficava na terra. Então todo ano você tinha que produzir roça de mandioca, a cana. Todo ano tinha que ter isso”,  de acordo com Maria da Graça Palavra. Ela afirma que as pessoas eram obrigadas a compartilhar a produção que tivessem para permanecer na terra: “Por exemplo: era uma área dividida. Eu tinha uma roça que dava, digamos, cinquenta oucem paneiros, que era difícil dar, e era dividido. O açúcar: se tivesse 10 cofos de açúcar, cinco era do engenho, cinco era de você. Tudo era dividido (Maria da Graça Palavra). 

Sobre isso, o senhor Cural complementa: “Ele deixava trabalhando na terra, mas pagando foro. De cada dez paneiro,  pagava 3 quilos por paneiro. De dez paneiros, pagava 30 quilos.”e  Maria da Graça Palavra acrescenta: “Isso era da  casa do forno. Mas também na cachaça, no açúcar”. 

Benedito Palavra, ao relembrar a história da Fazenda Caruma e a ocupação do território, destaca a presença negra:  “Proteção, Boa Lembrança, Providência, Conceição, Sudário...só morava nego. Nessa região todinha aqui. Pode descer essa estrada todinha aqui. Só nego”.  “É tudo a mesma terra, mas cada pedacinho tem um nome”. Ele permitia trabalhar a terra pagando foro. E os herdeiros foram ficando na terra: “herança de neto, bisneto e tal...um morre, fica o outro. Aí depois fica o outro, e vai indo. São os moradores daqui.” 

A história do território, assim, é a história da população negra da região. Mas a posse da terra ocupada continuou com os antigos proprietários: “A região onde era de Maria Cecília, lá em Providência, tinha muita gente assim. Mas a terra  pertencia a Jacinto Guterres, nesse tempo” (Maria da Graça Palavra). 

Quando Jacinto Guterres faleceu, a propriedade foi vendida para João de Deus, mas em pouco tempo, menos de um  mês, a negociação foi desfeita e a propriedade foi vendida para Jair. Domingos Diniz foi o terceiro dono do Caruma,  passando para o atual proprietário, identificado como Jorge. 

Sobre os donos da terra, Benedito Palavra informa o seguinte: “A lavoura de cana foi até a época do Jair Correa, um  dos primeiros que comprou a terra dos Guterres. Depois seu Jair vendeu para seu Domingos, chamado de Domingo Papo de Rola. A família de seu Domingo também se foi, faleceu ele, faleceu esposa, faleceu os filhos. Agora parece que tem  uma rapaz aí [Jorge, apontado como atual proprietário]que está como dono. Ele largou aí, passa anos sem vir aqui. Está avulso. Você vê aí que tem um tanque que está tudo avulso. Aí tem um senhor que trabalha aqui com ele há muito  tempo, desde Raimundo Ferreira,  que fala que é dono. “aqui é meu! Aqui é meu” mas ele não é dono de nada.”

O nome desse senhor é Benedito Ferreira, nascido no Povoado e a pessoa indicada como proprietária reside em Brasília. 

Benedito Palavra esclarece a situação dos atuais moradores com a terra da seguinte maneira: “Essa terra nunca foi  inventariada. Desde o tempo de Jacinto Guterres. Essa terra era pra ter três inventários. Major, que é o Jacinto  Guterres, Jair, Seu Domingo Papo de Rola. Três inventários para passar para o nome do outro. É isso. Mas é como troca de cavalo. ‘Isso aqui é teu, isso aqui é meu’. Documento eles não têm. Está com não sei quantos anos que não pagam essa terra. Já veio gente comprar a terra aí. A terra é toda dividida. Tem morador aí, comprador, que comprou 100  hectares de terra. Aí tu escolheu. Tirou bem aqui no meio da terra. Aí ficou uma nescla (sic) pra cá, outra pra cá. 

Venderam pra Sinval, Sinval tirou outra nescla...o cara pra comprar essa terra, tem que desapropriar todo mundo. Nós  estamos aqui de usucapião, né?” 

Atualmente, o território é habitado por netos e bisnetos dos trabalhadores da fazenda, em vários povoados.  De acordocom o senhor Cural: “Eram 3.600 hectares de terra. Hoje no Caruma tem 1.800 hectares. Foram dividindo, vendendo”. 

E assim foram formados os diversos povoados e comunidades que compõem o território do Caruma. 

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